sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

De "A Arte de Continuar Português"



«A cultura universal não é, não pode ser, a totalidade da cultura humana, que não está ao alcance de nenhum sábio prodigioso ou de nenhum ultra-complexo computador.
O que existem, são estruturas culturais situadas, cuja especificidade se formou na prova do tempo pela aglutinação de um certo número de características unívocas.
Diversos pontos de aglutinação lhes conferem uma particular qualidade, entre outras estruturas culturais: fundamentalmente uma língua comum, uma história, a psicologia do seu povo, os seus mitos ou complexos, as suas tradições, os ideais inscritos no seu inconsciente colectivo.
Não é desejável que estas estruturas culturais sejam estáticas. Orgânicas, humanas, sociais, têm pois um crescimento e uma vida de relação. Têm, é bom que tenham sob pena de estiolarem, um dinamismo, que é feito por um lado de influências recibidas, mas o é por outro lado da sua própria criatividade, do seu próprio poder inventivo, do pleno exercício do seu intelecto activo.
A estrutura cultural portuguesa é próxima das estruturas de fundo judéo-cristão e heleno-romano, mas não é igual a elas, porque no tempo se autonomizou, tal como as línguas românicas se afastaram do latim cada uma pelos seus caminhos diferentes.
Como estrutura cultural autónoma, o seu dever não é o de imitação de estruturas culturais suas irmãs ou parentes próximas, antes é um dever de universalidade, isto é, de abrir as suas próprias vias para o Uno. É sendo portuguesa, isto é, desenvolvendo as suas próprias intuições, visões, ideais, descobertas, que ela pode ser universal.»

António Quadros, A Arte de Continuar Português, Lisboa, Edições do Templo, 1978, págs.223-224