segunda-feira, 1 de junho de 2015

Entrevista


Sendo hoje em dia o chefe da casa real, quais são as suas actividades?
O que nós pretendemos é servir Portugal, como diria o meu pai. Trabalho na direcção da Fundação D. Manuel II e, actualmente, as actividades em Portugal já não são muitas, com excepção de algumas obras de solidariedade. O nosso grande empenho é com os países da comunidade de língua portuguesa (CPLP). Os povos sentem-se esquecidos por Portugal. E quando sabem que há portugueses que vão lá, nem que seja como turistas, ficam muito satisfeitos.
Nasceu a 15 de Maio de 1945 na Suíça, no exílio. Veio novo para Portugal?
Vim mais cedo que os meus pais. Vim para Serpins, na Lousã, onde fiquei em casa da tia Filipa, que já tinha podido regressar antes. Aprendi a nadar no rio Ceira, com os filhos da moleira, e aprendi a caçar.
Ficou com ligações à sua terra natal? Regressa com alguma frequência?
Infelizmente, muito pouco, mas tenho uma grande admiração. Considero que é o único regime republicano verdadeiramente democrático e que assume essa grande preocupação democrática. Em certa medida, a Suíça podia servir de modelo para a União Europeia. É um modelo de um país bem governado.
Não tem nacionalidade suíça?
Podia ter tido, mas os meus pais nunca quiseram. Mas agora já tenho tripla nacionalidade. Também a brasileira.
Portuguesa, timorense e brasileira?
Sim. Tenho passaporte diplomático timorense que me foi dado o ano passado; votaram por unanimidade a atribuição da nacionalidade timorense. A minha mãe era brasileira e perguntei a uns amigos do governo se achavam que eu podia obter a nacionalidade, apesar de não residir lá. Dilma Rousseff concordou. O motivo, segundo me foi dito, foi que o primeiro brasileiro foi D. Pedro I do Brasil, quarto avô da minha mãe. Antes havia os portugueses que viviam no Brasil, as nações índias, guaranis, tamoios, etc. Concederam-me nacionalidade a mim, aos meus filhos, à minha mulher e aos meus irmãos.
Regressa a Portugal com seis anos. Como foram os primeiros anos?
Primeiro em Serpins, perto da Lousã. Depois, quando os meus pais voltaram, fomos viver para Coimbrões, uma casa muito simpática que foi emprestada pela D. Maria Borges, da família dos vinhos Borges, e passámos lá anos muito agradáveis. Os meus irmãos e eu fomos à escola primária local. Depois fomos para o Liceu Alexandre Herculano, no Porto, e posteriormente os meus pais acharam que o ensino era melhor no Colégio Nuno Álvares em Santo Tirso, colégio dos jesuítas. Curiosamente, o meu sogro também estudou lá.
Cruzou-se com o presidente do FC Porto, Pinto da Costa? Ou com o social-democrata Eurico de Melo?
Cruzaram-se com o meu sogro.
O que recorda com mais intensidade desses anos?
Era um pouco maçador ser um colégio interno, mas tinha muitas compensações. O ensino era muito bom, o ambiente simpático. Não era muito bom do ponto de vista desportivo. Havia ginástica, claro, e futebol. E nunca gostei de futebol. Começámos a introduzir outros desportos, o râguebi, e achei mais divertido.
Qual era o seu desporto favorito?
Gostava muito de patinagem em patins de rodas. Ainda hoje acho que é um desporto interessantíssimo e acho uma pena estar um pouco desprezado.
Sabia andar?
Sabia e ainda hoje ando. Nunca mais se esquece, é como andar de bicicleta. Também sempre fui bom em corridas de longa distância, porque tenho umas pernas muito compridas. Aprendi a montar antes de ir para o colégio, com o mestre Nuno de Oliveira, um dos grandes professores de equitação clássica.
Ainda hoje monta?
Gosto de montar. Mas não como desporto, como passeio. Gosto de montar no Brasil porque os cavalos brasileiros são muito mais confortáveis. Não fazem o trote. Passam do passo para o galope. Em Portugal não tenho tido muito tempo.
O curso de Agronomia em Lisboa veio depois?
Estudei no Instituto Superior de Agronomia, mas entrei para a Força Aérea no último ano e não cheguei a acabar o curso. Queria ser piloto da Força Aérea e havia um limite de idade, e pensei em acabar o curso depois. Quando saí das Forças Armadas, depois de Angola, achei mais interessante fazer um curso na Universidade de Genebra, no Instituto de Estudos do Desenvolvimento, que na altura se chamava Instituto de Estudos Africanos. Tive professores muito bons, como Jean Zigler, e fiquei conhecedor da história e dos problemas económicos em África. Conheci lá dirigentes responsáveis do MPLA, FRELIMO. Na primeira aula perguntavam aos alunos porque tinham querido vir para este curso e eu respondi que admirava muito os países africanos. Quando me perguntaram o que estive a fazer em África, disse que estive na Força Aérea: o horror geral. Lá fui dizendo que fiz o meu papel tal como eles tinham feito o deles. Acreditava no futuro desses países com democracia e liberdade mas, tanto quanto possível, ligados a Portugal.
O que fazia exactamente na Força Aérea?
Pilotava sobretudo helicópteros, mas também aviões mais pequenos, de observação. Mas a minha formação foi de piloto de helicóptero. Sobretudo transportava feridos, fazia evacuações e outros transportes.
Muitas horas de voo? Muitas missões?
Bastantes. Entretanto, o ministro da Defesa na altura, já no tempo do governo de Marcelo Caetano, mandou uma ordem confidencial que me proibia de voar. Foi um dos poucos que no parlamento votou contra o fim da lei que nos impunha o exílio, quando era deputado da União Nacional. E por preocupação republicana de que a Força Aérea me desse algum prestígio, proibiu-me de voar. O comandante da base onde estava, Negage, disse que não sabia o que se passava. O meu pai protestou junto do governo e combinei que iria fazer uma acção com a população civil. Tinha uma moto checa, uma Jawa, que comprei em Angola, e um Volkswagen. Conforme as estradas, num ou noutro ia visitar as aldeias africanas, conversar com o chefe da aldeia, com o professor, onde ficava às vezes durante a noite. Durante quase um ano dei a volta toda ao norte e sul de Angola. Fiquei a conhecer o país profundamente. De repente, em Lisboa, ficaram muito preocupados e deram ordens para regressar.
Estamos a falar de que ano?
Creio que 1970. Saí da Força Aérea e voltei a Angola, e continuei o trabalho que estava a fazer com um projecto político na altura das eleições para a Assembleia Nacional. Criámos um movimento eleitoral com angolanos negros e brancos, de todas as origens, protestantes, católicos e até pessoas próximas da UNITA. Tínhamos muitas possibilidades de ganhar os lugares de deputados por Angola. O prof. Marcelo Caetano tomou conhecimento e expulsou-me de Angola em 1972.
Assinou uma ordem?
Não sei se assinou uma ordem. O director-geral da DGS (ex-PIDE) falou comigo e disse que tinha de sair de Angola naquele próprio dia. Perguntei os motivos e disse que não sabia. Que eram ordens de Lisboa. Perguntei se tinha a ver com o que estava a fazer e respondeu que até era positivo, que iam mostrar ao mundo que, afinal, havia liberdade política em Angola e que os angolanos não queriam a independência. Isto porque a nossa lista defendia a democracia, liberdade, justiça social, direitos iguais para os territórios ultramarinos em relação ao território português, mas defendíamos que Angola não estava preparada para a independência. No fundo, criar uma espécie de Commonwealth lusófona, com progressivamente mais autonomia, era o projecto desta lista.
O que lhe disse Marcelo Caetano?
Marcelo Caetano convidou-me e começou por explicar que tinha havido um equívoco e que não era uma expulsão, mas que tive de sair de Angola por razões de segurança pessoal... ficou muito aborrecido, zangado, falou em forças vivas, que achava inadmissível o que estava a fazer. Depois das independências, depois de 1974, encontrei pessoas próximas que me disseram que Caetano estava a organizar a independência em Angola e Moçambique em colaboração com os Estados Unidos e África do Sul. E, portanto, o meu projecto estava a estragar este plano.
Na altura do 25 de Abril creio que fez um comunicado a apoiar o Movimento das Forças Armadas.
Estava em Timor um pouco antes e no dia 25 estava no Vietname a convite do presidente do parlamento. Foi ele mesmo que me disse “a sua revolução ganhou”. Falou-me no general Spínola, Galvão de Melo, Santos e Castro, pessoas conhecidas, amigas. Referiu que estavam todos na nova junta, por isso “a minha revolução” tinha ganho. Fiquei satisfeito com os generais, gente séria, honesta e patriota, e mandei logo um telegrama de parabéns. E achei que era finalmente a revolução democrática.
Depois foi um pouco diferente? Como viveu esses tempos conturbados até Novembro de 1975?
Nunca dormia em casa. Dormia sempre em casas de amigos. Porque o COPCON (Comando Operacional do Continente) ia buscar as pessoas a casa à noite.
O meu escritório foi assaltado pelo COPCON. Foi complicado. Por outro lado, os meus amigos da Força Aérea iam-me dando notícias.
Nunca pensou num novo exílio?
De todo. Tinha esperança que mudasse e até comprei a casa de Sintra. Não estava a ver um país na Europa, apoiado pelos Estados Unidos, com a população a favor das liberdades, dos direitos, da propriedade, com uma percentagem de católicos elevadíssima.
Alguns anos mais tarde, em 1995, casou com Isabel Herédia. Como a conheceu?
Sou amigo da Isabel desde que ela tinha seis anos. Encontrei-a em Angola, os pais estavam lá a trabalhar, o pai como engenheiro na Força Aérea. Nessa altura ensinei-a a nadar. Ficámos sempre muito amigos. A família teve de ir para o Brasil e foram muito acolhidos por primos e amigos meus no Brasil. Na altura, ia praticamente todos os anos ao Brasil e acabava quase sempre em casa deles, em São Paulo. Fomos mantendo esta relação de amizade até que, a dada altura, chegámos à conclusão de que havia coisas mais interessantes a fazer do que sermos só amigos. Perguntei se ela tinha pensado na possibilidade de casar comigo e pediu-me para pensar. Nunca mais dizia nada e convenci-me de que não queria, mas não queria dizer para não ser desagradável. Apanhei um susto.
Quanto tempo passou?
Seis ou sete meses. Fui ao Brasil e ela tinha de dar uma resposta, não podia continuar assim. Ela disse que eu nunca mais lhe perguntava. Estava à espera que lhe perguntasse. Mas quando a pedi em casamento foi em Santiago de Compostela. Tínhamos feito uma peregrinação e à saída da Basílica perguntei--lhe. E ela dizia que tinha de pensar. Seis meses depois, no Brasil, finalmente deu a resposta. Houve umas questões engraçadas, mas são mais do âmbito familiar.
Disse que comprou a sua casa em Sintra?
Foi comprada por mim, foi a minha “conquista revolucionária”. Em 74/75 havia casas boas e eu comprei uma em Sintra por um preço justo e razoável. As casas de família, as únicas, são no Chiado e fazem parte do testamento da rainha Dona Amélia, minha madrinha.
Tem hobbies?
Gosto de aprender, mas quando termino acabo por não praticar. Quando era novo tirei o brevê de planadores, mas depois não continuei a voar. Uma vez ou outra voo na base aérea de Sintra, mas pouco. Não tenho essas paixões. O meu filho Afonso é apaixonado pela pesca e agora ficou apaixonado pela caça também. Cacei, pesquei e de vez em quando estou com ele e também pesco, mas mais pela companhia. Não tenho propriamente hobbies. Tento fazer actividades físicas o mais possível para me manter em forma, desde a ginástica no Ténis Clube do Estoril. Ando bastante de bicicleta, se possível com os filhos. Tenho necessidade de me manter ao nível dos meus filhos, mas à medida que os anos passam vai ficando mais difícil, porque eles progridem, e nós não tanto assim. Também me ocupo da minha horta de Sintra, onde temos quase todos os legumes que se consomem em casa.
Vê televisão? Vê séries como, por exemplo, “A Guerra dos Tronos”?
Vi uma vez. Engraçada, mas não creio que valha a pena perder tempo com isso. Gosto de ver coisas onde aprendo. Como o Discovery, o National Geographic. Gosto imenso de ver as culturas e paisagens doutras regiões. Procuro bons filmes. Procuro na internet e depois compro-os, mando-os vir por correio.
Por exemplo?
Há filmes que são praticamente boicotados em Portugal. Houve um que considero de altíssima qualidade que em inglês se chama “For Greater Glory”.
É a história da grande revolta católica no México, em 1926, contra um governo que decidiu fechar as igrejas, e em que os mexicanos, durante mais de um ano, dois anos, controlaram metade do país, e o governo acabou por negociar com a população um acordo. Um filme que não conhecia, “King Maker”, que é como os portugueses salvaram a independência da Tailândia. Gostei do “Rien a declarer”, passado na fronteira franco--belga. Achei óptimo “A Gaiola Dourada”, que tenho oferecido aos meus primos no estrangeiro. Há filmes portugueses bons, mas os cineastas portugueses têm a mania de ser intelectualmente muito correctos e não se interessam muito pela opinião do público.
Gosta de música?
Gosto de todos os géneros desde que seja boa. Encontro música boa e música muito maçadora, inútil. Há música contemporânea popular muitíssimo boa e há outra que é simplesmente barulho e ruído, e não tem nenhuma qualidade estética.
Se tivesse de escolher…
A vantagem da música clássica é que já foi esquecida há muito tempo. A que sobreviveu até hoje é porque realmente é muito boa. É por isso que há tão poucos músicos clássicos. Os antigos continuam a ser tocados ainda hoje.
A música clássica mais antiga baseia-se nos ritmos do nosso cérebro e, por isso, dinamiza e melhora o nosso pensamento, o raciocínio. Todos os cientistas estão de acordo que na música clássica há um efeito fantástico sobre o nosso cérebro.
O seu filho Afonso já tem 18 anos. Considera-o preparado para assumir uma responsabilidade histórica e familiar?
Está preocupado com isso. Gosta muito de participar nas diferentes actividades mas, ao mesmo tempo, insisto com ele que a preocupação dele não é essa. Agora é ser o mais bem preparado academicamente, escolher o curso de que verdadeiramente ele gosta e que possa ser-lhe útil na prática, e os irmãos a mesma coisa. A grande paixão do Afonso sempre foi a biologia marinha. Agora interessa--se por plantas medicinais e compra livros sobre a matéria. Por outro lado, acha mais útil para o futuro ciências políticas. Agora está um pouco dividido entre biologia e política.
Em Portugal?
Preferia que fosse cá. Tenho medo de que perca os contactos com os amigos e depois porque as boas universidades no estrangeiro são muito caras. Passou dois anos num colégio em Inglaterra e fizeram-lhe muito bem em todos os aspectos mas, realmente, foi uma facada no orçamento familiar.
E se um dos seus filhos fosse republicano?
Apesar de não concordar, mas acho graça, houve alguém que disse que se pode ser republicano e inteligente e republicano e honesto, mas era muito difícil ser as três coisas ao mesmo tempo. Um republicano que discuta inteligentemente, sem preconceitos, comparando os países com repúblicas e monarquias, acaba por concordar que os países monárquicos funcionam, melhor. O dr. João Soares diz isso e não é o único.
Não corre, por isso, o risco de ter um republicano em casa.
Não, mas se tivesse pensava que seria uma questão de oposição aos pais. Respeito, mas não é muito lógico ou inteligente, ou então teria sido algum erro na nossa educação. Dito isto, conheço e tenho muitos amigos republicanos convictos e sinceros que têm bons argumentos. Houve um que me disse concordar que as monarquias funcionam melhor que as repúblicas, mas ainda achava que um dia podia ser Presidente da República, o que para mim é o melhor argumento de todos. Teoricamente, o facto de todos poderem ser Presidentes da República é um símbolo de igualdade e democracia, mas na prática não acontece. Na prática precisa de apoio de partidos, muito dinheiro, os melhores publicistas brasileiros. Se não tiver isso, pode ser óptimo mas não ganha.
Também é a minha posição. Um governo republicano e uma chefia de Estado monárquica é uma boa combinação.
Se tivesse de aconselhar o governo sobre as políticas de austeridade, o que diria?
Os meus conhecimentos de economia são dos livros que leio de economistas sérios em todo o mundo e, precisamente por causa disso, fui contra a entrada de Portugal no euro. Todos os economistas sérios diziam que Portugal não estava em condições de ter como moeda o “marco alemão”. Infelizmente, na altura, quase ninguém estava de acordo comigo.
Portugal devia regressar ao escudo?
Se podemos ou não regressar a uma moeda nacional, é outra história. Hoje há opiniões muito diversas e aparentemente bem fundamentadas, e não sei dizer qual seria a melhor solução. Admito que as duas opções têm a sua razão de ser. A terceira opção seria um grupo de países da União Europeia saírem do euro em conjunto e terem uma moeda multinacional. Há uma alternativa muito interessante que não sei se é viável: é ter uma moeda dos países da CPLP. Poderia ser uma ideia interessante. Há muito mais solidariedade e empatia entre os países da CPLP que entre os países da União Europeia. A UE é uma união de interesses, enquanto a CPLP é uma união de afectos. Ainda sobre a crise, acho que o governo não pode viver abusivamente à custa dos cidadãos. A obrigação do governo é diminuir os seus custos e tentar cobrar aquilo que é justo, mas sem estrangular a capacidade económica das empresas e das famílias. Aí, a oposição tem razão quando diz que se as famílias têm menos rendimentos, também gastam menos no país.
Como podíamos alterar o estado das coisas?
Todos nós devíamos tomar muito mais cuidado e preferir os produtos nacionais. Desde o automóvel fabricado em Portugal até à comida, roupa. Era a nossa melhor contribuição contra a crise.
E as mentalidades?
A base de todos os problemas portugueses é a falta de raciocínio lógico, que não é ensinado no sistema escolar. O sistema ensina a decorar aquilo que vem nos livros e a responder como um papagaio amestrado. Nos países de formação anglo--americana têm mais sistemas em que privilegiam o raciocínio, a compreensão, o esforço, muito mais do que as respostas dadas nos testes. É a grande evolução que temos de fazer.

Augusto Freitas de Sousa, 28/05/2015
Fotografia © Bruno Simões Castanheira

domingo, 24 de maio de 2015

Artigo de caráter científico em elaboração


Resumo

Na originalidade portuguesa do que foi e é a ordenação, ação e prática das “Santas Confrarias das Misericórdias” podemos considerar uma estrutura organizativa exemplar, no sentido de sua adaptação às épocas, porque a usura do tempo não desfez nem seus propósitos, nem sua dinâmica, nem sua fundamental estrutura organizativa. Procura-se identificar aqui esse molde organizacional das “Irmandades da Misericórdia”, que vigora desde as suas primitivas disposições. Assim, começamos pela análise do mais coevo documento encontrado, o «Livro de todallas liberdades da sancta confraria da misericordia de coimbra», uma cópia de 1500 do compromisso original.

Abstract

When analysing the very Portuguese idiosyncrasy which are the order, activity and practices of the “Santas Confrarias das Misericórdias”, we can consider their exemplary organisational structure in relation to their adaptation to different eras; because the passage of time has done nothing to make obsolete their purpose, dynamism or basic organisational structure. We aim to identify the organisational mould of the “Irmandades da Misericórdia”, in force since their earliest incarnation. We therefore begin by analysing the most coeval document found, “Livro de todallas liberdades da sancta confraria da misericordia de coimbra” (Book of all the freedoms of the Holy Order of Mercy of Coimbra), a book dating back to 1500 stating the original mission.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Teorema: A quantidade de talentos e de metros cúbicos de massa encefálica exercitada estão diretamente relacionados com o impacto produzido

James Burnham
«(...) Keynes não só pensava sobre a economia mundial, mas também participava nas grandes decisões. Fez parte, em 1944, da delegação britânica à conferência de Bretton Woods, que definiu as regras para as relações comerciais e financeiras no mundo capitalista, criando o BIRD (que daria origem ao Banco Mundial) e o FMI. Dois anos antes, o filósofo e politólogo americano James Burnham escreveu um livro que se tornaria um best-seller mundial - A Revolução Gerencial - onde verifica a mudança de paradigma do poder no mundo. Para ele, o nazismo, o comunismo e o capitalismo do New Deal têm a mesma natureza política: quem decide e domina é uma nova classe, emergente depois da Grande Depressão, constituída pelos executivos, os "managers". Ele previu, em 1942, em plena guerra mundial, este novo sistema de poder, que vigoraria de facto até, pelo menos, aos anos 1970 e à crise do petróleo. Na crise de hoje, diz Carlos Gaspar, não temos pensadores de craveira semelhante. O que torna, desta vez, muito mais difícil prever o que vai acontecer a seguir.»

                                                                      Paulo Moura in Público

segunda-feira, 18 de maio de 2015

...meu tão certo secretário


Vinde cá, meu tão certo secretário
dos queixumes que sempre ando fazendo,
papel, com que a pena desafogo!
As sem-razões digamos que, vivendo,
me faz o inexorável e contrário
Destino, surdo a lágrimas e a rogo.
Deitemos água pouca em muito fogo;
acenda-se com gritos um tormento
que a todas as memórias seja estranho.
Digamos mal tamanho
a Deus, ao mundo, à gente e, enfim, ao vento,
a quem já muitas vezes o contei,
tanto debalde como o conto agora;
mas, já que para errores fui nascido,
vir este a ser um deles não duvido.
Que, pois já de acertar estou tão fora,
não me culpem também, se nisto errei.
Sequer este refúgio só terei:
falar e errar sem culpa, livremente.
Triste quem de tão pouco está contente!
Já me desenganei que de queixar-me
não se alcança remédio; mas, quem pena,
forçado lhe é gritar, se a dor é grande.
Gritarei; mas é débil e pequena
a voz para poder desabafar-me,
porque nem com gritar a dor se abrande.
Quem me dará sequer que fora mande
lágrimas e suspiros infinitos
iguais ao mal que dentro n'alma mora?
Mas quem pode algu'hora
medir o mal com lágrimas ou gritos?
Enfim, direi aquilo que me ensinam
a ira, a mágoa, e delas a lembrança,
que é outra dor por si, mais dura e firme.
Chegai, desesperados, para ouvir-me,
e fujam os que vivem de esperança
ou aqueles que nela se imaginam,
porque Amor e Fortuna determinam
de lhe darem poder para entenderem,
à medida dos males que tiverem.
(Quando vim da materna sepultura
de novo ao mundo, logo me fizeram
Estrelas infelices obrigado;
com ter livre alvedrio, mo não deram,
que eu conheci mil vezes na ventura
o milhor, e pior segui, forçado.
E, para que o tormento conformado
me dessem com a idade, quando abrisse
inda minino, os olhos, brandamente,
mandam que, diligente,
um Minino sem olhos me ferisse.
As lágrimas da infância já manavam
com üa saudade namorada;
o som dos gritos, que no berço dava,
já como de suspiros me soava.
Co a idade e Fado estava concertado;
porque quando, por caso, me embalavam,
se versos de Amor tristes me cantavam,
logo m'adormecia a natureza,
que tão conforme estava co a tristeza.)
Foi minha ama ua fera, que o destino
não quis que mulher fosse a que tivesse
tal nome para mim; nem a haveria.
Assi criado fui, porque bebesse
o veneno amoroso, de minino,
que na maior idade beberia,
e, por costume, não me mataria.
Logo então vi a imagem e semelhança
daquela humana fera tão fermosa,
suave e venenosa,
que me criou aos peitos da esperança;
de que eu vi despois o original,
que de todos os grandes desatinos
faz a culpa soberba e soberana.
Parece-me que tinha forma humana,
mas cintilava espíritos divinos.
Um meneio e presença tinha tal
que se vangloriava todo o mal
na vista dela; a sombra, co a viveza,
excedia o poder da Natureza.
Que género tão novo de tormento
teve Amor, que não fosse, não somente
provado em mim, mas todo executado?
Implacáveis durezas, que o fervente
desejo, que dá força ao pensamento,
tinham de seu propósito abalado,
e de se ver, corrido e injuriado; a
qui, sombras fantásticas, trazidas
de algüas temerárias esperanças;
as bem-aventuranças
nelas também pintadas e fingidas;
mas a dor do desprezo recebido,
que a fantasia me desatinava,
estes enganos punha em desconcerto;
aqui, o adevinhar e o ter por certo
que era verdade quanto adevinhava,
e logo o desdizer-me, de corrido;
dar às cousas que via outro sentido,
e para tudo, enfim, buscar razões;
mas eram muitas mais as sem-razões.
Não sei como sabia estar roubando
cos raios as entranhas, que fugiam
por ela, pelos olhos sutilmente!
Pouco a pouco invencíveis me saiam,
bem como do véu húmido exalando
está o sutil humor o Sol ardente.
Enfim, o gesto puro e transparente,
para quem fica baixo e sem valia
este nome de belo e de fermoso;
o doce e piadoso
mover de olhos, que as almas suspendia
foram as ervas mágicas, que o Céu
me fez beber; as quais, por longos anos,
noutro ser me tiveram transformado,
e tão contente de me ver trocado
que as mágoas enganava cos enganos;
e diante dos olhos punha o véu
que me encobrisse o mal, que assi creceu,
como quem com afagos se criava
daquele para quem crecido estava].
Pois quem pode pintar a vida ausente, c
om um descontentar-me quanto via,
e aquele estar tão longe donde estava,
o falar, sem saber o que dezia,
andar, sem ver por onde, e juntamente
suspirar sem saber que suspirava?
Pois quando aquele mal me atormentava
e aquela dor que das tartáreas águas
saiu ao mundo, e mais que todas dói,
que tantas vezes sói
duas iras tornar em brandas mágoas;
agora, co furor da mágoa irado,
querer e não querer deixar de amar,
e mudar noutra parte por vingança
o desejo privado de esperança,
que tão mal se podia já mudar;
agora, a saudade do passado
tormento, puro, doce e magoado,
fazia converter estes furores
em magoadas lágrimas de amores.
Que desculpas comigo que buscava
quando o suave Amor me não sofria
culpa na cousa amada, e tão amada!
enfim, eram remédios que fingia
o medo do tormento que ensinava
a vida a sustentar-se, de enganada.
Nisto ua parte dela foi passada,
na qual se tive algum contentamento
breve, imperfeito, tímido, indecente,
não foi senão semente
de longo e amaríssimo tormento.
Este curso contino de tristeza,
estes passos tão vãmente espalhados,
me foram apagando o ardente gosto,
que tão de siso n'alma tinha posto,
daqueles pensamentos namorados
em que eu criei a tenta natureza,
que do longo costume da aspereza,
contra quem força humana não resiste,
se converteu no gosto de ser triste.
Dest'arte a vida noutra fui trocando;
eu não, mas o destino fero, irado,
que eu ainda assi por outra não trocara.
Fez-me deixar o pátrio ninho amado,
passando o longo mar, que ameaçando
tantas vezes me esteve a vida cara.
Agora, exprimentando a fúria rara
de Marte, que cos olhos quis que logo
visse e tocasse o acerbo fruto seu
(e neste escudo meu
a pintura verão do infesto fogo);
agora, peregrino vago e errante,
vendo nações, linguages e costumes,
Céus vários, qualidades diferentes,
só por seguir com passos diligentes
a ti, Fortuna injusta, que consumes
as idades, levando-lhe diante
üa esperança em vista de diamante,
mas quando das mãos cai se conhece
que é frágil vidro aquilo que aparece.
A piadade humana me faltava,
a gente amiga já contrária via,
no primeiro perigo; e no segundo,
terra em que pôr os pés me falecia,
ar para respirar se me negava,
e faltavam-me, enfim, o tempo e o mundo.
Que segredo tão árduo e tão profundo:
nascer para viver, e para a vida
faltar-me quanto o mundo tem para ela!
E não poder perdê-la,
estando tantas vezes já perdida!
Enfim, não houve transe de fortuna,
nem perigos, nem casos duvidosos,
injustiças daqueles, que o confuso
regimento do mundo, antigo abuso,
faz sobre os outros homens poderosos,
que eu não passasse, atado à grã coluna
do sofrimento meu, que a importuna
perseguição de males em pedaços
mil vezes fez, à força de seus braços.
Não conto tantos males como aquele
que, despois da tormenta procelosa,
os casos dela conta em porto ledo;
que ainda agora a Fortuna flutuosa
a tamanhas misérias me compele,
que de dar um só passo tenho medo.
Já de mal que me venha não me arredo,
nem bem que me faleça já pretendo,
que para mim não val astúcia humana;
de força soberana,
la Providência, enfim, divina pendo.
Isto que cuido e vejo, às vezes tomo
para consolação de tantos danos.
Mas a fraqueza humana, quando lança
os olhos no que corre, e não alcança
senão memória dos passados anos,
as águas que então bebo, e o pão que como,
lágrimas tristes são, que eu nunca domo
senão com fabricar na fantasia
fantásticas pinturas de alegria.
Que se possível fosse, que tornasse
o tempo para trás, como a memória,
pelos vestígios da primeira idade,
e de novo tecendo a antiga história
de meus doces errores, me levasse
pelas flores que vi da mocidade;
e a lembrança da longa saudade
então fosse maior contentamento,
vendo a conversação leda e suave,
onde üa e outra chave esteve
de meu novo pensamento,
os campos, as passadas, os sinais,
a fermosura, os olhos, a brandura,
a graça, a mansidão, a cortesia,
a sincera amizade, que desvia
toda a baixa tenção, terrena, impura,
como a qual outra algüa não vi mais...
Ah! vês memórias, onde me levais
o fraco coração, que ainda não posso
domar este tão vão desejo vosso?
Nô mais, Canção, nô mais; que irei falando,
sem o sentir, mil anos. E se acaso
te culparem de larga e de pesada,
não pode ser (lhe dize) limitada
a água do mar em tão pequeno vaso.
Nem eu delicadezas vou cantando
co gosto do louvor, mas explicando
puras verdades já por mim passadas.
Oxalá foram fábulas sonhadas!



sexta-feira, 15 de maio de 2015

Anotações na perspetiva histórica

«A humanidade não é um dado concreto imediato, como o são as espécies animais. É uma conquista dos seres humanos que participam no processo e na aventura de ser no tempo e nas comunidades. A modernização gerou as princiais dinâmicas do mundo contemporâneo, mas não tem por que comportar a ideia radical da contenda e da rutura com o passado. Aliás, a maior parte das nossas instituições, de assistência social, democráticas, de ensino e ciência, de saúde, de cultura, ou foram fundadas durante monarquia constitucional ou assentam naquelas fundações. Assim a Constituição, o Parlamento, a Democracia, as Escolas públicas, básicas, secundárias ou superiores, os Tribunais, as Misericórdias, os Hospitais, os Teatros, mas também o ensino obrigatório, as estradas, o telégrafo, os comboios, a luz eléctrica, a livre expressão e a circulação de ideias, são acolhimentos e promoções de uma monarquia actuante e acolhedora ao sentido do desenvolvimento social, traço que sempre pode confirmar-se pelas instituições criadas no antigo como no novo regime, antes e a partir de 1822, em consonância com as inquietações de época e com as dinâmicas europeias
A introdução de novas técnicas, produções, saberes, a alteração relativa a estilos de vida com melhor saúde, higiene e projectos de vida em aberto, a mobilidade social, o aumento da literacia, são produtos da acção humana, nomeadamente orientadas a partir das instituições políticas, não são uma inevitabilidade. As ideologias que cindem o passado do futuro serviram de suporte a uma abordagem revolucionária que muitos e maus frutos deu, em sofrimento e perda de vidas humanas. A tentação de reduzir a complexidade da nossa vivência social a uma equação simples sempre produziu mais males que benefícios. Ao ganharmos perspetiva histórica sabemos que, se as épocas fazem prescrever, renovar ou criar diferentes entendimentos, a natureza humana não mudou muito nos últimos 2500 anos. »

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Interessante conferência em Lisboa


A Real Associação de Lisboa promove neste próximo Sábado, 23 de Maio, pelas 15:00, uma conferência: "Comunicar a Monarquia". Reunirá no Altis Grand Hotel (Rua Castilho, 11 - 1269-072 Lisboa) um painel de especialistas composto por Raquel Abecassis (Jornalista da Rádio Renascença), João Palmeiro (Presidente da Associação Portuguesa de Imprensa) e Rodrigo Moita de Deus (Consultor de Comunicação).

Com os nossos melhores cumprimentos,

A DirecçãoReal Associação de Lisboa
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quarta-feira, 13 de maio de 2015

A Chefia de Estado


Ao mesmo tempo que anda deslumbrada com as candidaturas presidenciais que se acotovelam na ilusão de representarem os portugueses, a nossa comunicação social republicana não resiste ao charme das monarquias desde que sejam longe e da realeza desde que seja estrangeira. Esta é a explicação que encontro para a larga cobertura dada este fim-de-semana ao nascimento da princesa filha dos duques de Cambridge, numa demonstração de patriotismo do avesso.
A esse propósito, no que diz respeito à perspectiva estritamente política, nunca é de mais relembrar que a chefia hereditária do Estado, que maioritariamente subsiste legitimada pela história nos países europeus mais desenvolvidos, é um factor de equilíbrio e de religação nacional, último reduto da unidade identitária e dos valores perenes do ideal comum, sempre ameaçados pela legítima mecânica democrática, cujo exercício por natureza exacerba a luta faccionaria que compele à desagregação. Um símbolo maior, espelho da comunidade de afectos que é Portugal. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

Em leitura


Dona Clóris - «(...) as suas finezas, por encarecidas, perdem a estimação de verdadeiras; que quem tem a língua tão solta para os encarecimentos terá presa a vontade para os extremos.»

António José da Silva, Guerras do Alecrim e Manjerona, Parte I, Cena IV

domingo, 10 de maio de 2015

ExCertos



«Portugal precisa de um chefe de Estado independente e que represente com inabalável legitimidade histórica cada um de nós e o que somos enquanto povo.»

João Távora, presidente da Real Associação de Lisboa e editor do “Correio Real”

Está pelo seu país e pelo seu povo (não está por conta própria, não está para enriquecer ou por carreirismo)

“Lembro-me de Tony Blair dizer que as reuniões para as quais ele se preparava melhor e também as mais ricas eram as que tinha com a rainha de Inglaterra.” O que faz ela? Ouve, responde e faz perguntas e nada mais do que isso: “Mas o acervo é de tal maneira rico e advém não só da sua experiência dos últimos 60 anos, mas também da sua própria posição, que é politicamente isenta, falando tanto com trabalhistas, sociais-democratas, liberais. Não está por conta própria, não está para enriquecer, por carreirismo. Está pelo seu país e pelo seu povo”.
Luís Lavradio in Jornal I

sábado, 9 de maio de 2015

No Mar em que de Novo Amor me Guia


  (...)

Valha-me navegar meu pensamento
Com tal estrela, cuja formosura
Abranda o duro mar de meu tormento

Fernão Rodrigues Lobo Soropita

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Em leitura





Semicúpio: «(...) encobres olho e meio, para matares gente de meio olho! Escusados são esses esconderelos, pois pela unha desse melindre conheço o leão dessa cara.»

in António José da Silva (outro desgraçado poeta da língua portuguesa), Guerras do Alecrim e Mangerona, Seara Nova Editorial Comunicação, 1980 (1737), Apresentação crítica, notas, glossário e sugestões para análise literária de Maria de Lourdes A. Ferraz

Mar




Do grande mar do meu tormento antigo,
Como aurora d’amor sai a esperança,
Vestida já da luz que de si lança
O sol que eu sempre temo e sempre sigo.

Ao seu aparecer foge o perigo;
Aonde quer que a claridade alcança,
Rompe o véu negro da desconfiança
Que juntamente aprovo e contradigo.

Mas o secreto d’alma, inda toldado
Das nuvens negras com que antigamente
A cercou por mil partes meu cuidado,

Se a luz de tanta glória inda não sente,
São efeitos cruéis do mal passado
Que lhe não deixam ver o bem presente.


Fernão Rodrigues Soropita

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Poesia (Mar)



Salgado plantio e fauna
Transparente, animado e diverso
Fresco líquido odor 
Alvo, brilhante e azul

Anémonas, plumas e pomos
Flora e fruto marítimo
Peixes e pedras coloridas
Líquida luz mexida,
Abundante renda que rebrilha

DESmitos

Imagens de Portugal (S.Miguel - Açores)

Pedro Jorge Alves






Nem só de brazões se fazem estas famílias


http://www.ionline.pt/389680
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